Os ministros Celso Amorim e Ahmet Davutoglu, das Relações Exteriores do Brasil e dos Negócios Estrangeiros da República da Turquia, respectivamente, encaminharam nesta quarta (19), ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, carta contendo o teor do acordo firmado entre Brasil, Turquia e Irã sobre a utilização de energia nuclear por este últimos país para fins pacíficos.O documento foi divulgado pelo Itamaraty.
“Nós pusemos a bola na área, agora quem tem que fazer o gol são os 5 1”, disse o chanceler brasileiro, referindo-se aos países membros permanentes do Conselho de Segurança (Estados Unidos, Rússia, China, França, Grã-Bretanha) e mais Alemanha. O Brasil ocupa atualmente um assento rotativo no Conselho.
Amorim diz que os três países (Brasil, Turquia e Irã) não podem e nem pretendiam resolver todos os problemas de uma única vez. No entanto, as dificuldades foram resolvidas pelo menos no papel.
“Agora uma coisa é o papel e outra a realidade. Então vamos discutir”, disse o ministro para quem a posição de recusar o acordo e impor sanções ao Irã não é uma atitude construtiva.
Questionado sobre a relação que o Brasil mantém com o país islâmico, Amorim foi enfático: “Não temos uma relação profunda e nem uma razão específica para defender o Irã. Agora defendemos sim a justiça, a paz e a norma internacional. E não (defende) a decisão e opiniões tomadas que não sejam totalmente comprovadas”, afirmou.
Ao comentar a posição das potências favoráveis às novas sanções, Amorim afirmou que os que desprezarem a chance de uma solução negociada "assumirão suas responsabilidades". O acordo mediado pelo Brasil e pela Turquia tinha como objetivo evitar uma nova rodada de sanções. Autoridades norte-americanas, no entanto, alegaram que o Irã buscava apenas ganhar tempo.
Ameaças não são positivas
Nesta quarta-feira (19), ao abordar novamente o assunto após palestra para estudantes do Instituto Rio Branco, Amorim reforçou que se as sanções ao Irã que estão sendo propostas pelos Estados Unidos, forem aprovadas, a possibilidade de uma solução pacífica para o impasse envolvendo o programa nuclear iraniano será adiada por dois a três anos. O chanceler brasileiro afirmou que não considera positiva a ameaça de punições a Teerã e acrescentou que, pelo menos por enquanto, não há nada definitivo.
"Não acho positivo ficar fazendo ameaças. Acho também que, se o Irã for inteligente, não dará bola para isso e continuará fazendo o que tem que fazer", disse o ministro.
Amorim admitiu que as negociações não foram fáceis e que a diplomacia brasileira investiu esforço e capital político na questão.
"Não estamos aqui em uma batalha ideológica. Estamos cumprindo com nossa obrigação. Quando a comunidade internacional nos elegeu como membros não permanentes do Conselho de Segurança, passamos a ter responsabilidade não só na região e em termos imediatos do país. Temos responsabilidade pela paz e a segurança internacional e vamos fazer isto".
A carta à ONU
Na carta, os dois ministros anexaram a Declaração Conjunta firmada entre os três países no último dia 17, em Teerã. Nela, são destacados trechos da declaração em que se defende o direito ao “Irã desenvolver a investigação, produção e utilização de energia nuclear para fins pacíficos.”
Afirma que os três países foram movidos por forte convicção que a troca de combustível nuclear será uma oportunidade para começar um processo positivo e construtivo. Os ministros argumentam que a atmosfera de não-confronto conduzirá a um período de integração e cooperação.
O documento explica ainda que o Irã vai depositar na Turquia 1.200 quilos de urânio pouco enriquecido. Em troca, dentro dos prazos estabelecidos, o país terá 120 quilos de urânio enriquecido para o seu reator nuclear.
Os ministros dizem que estão confiante que o grupo 5 1 vai referendar a declaração conjunta que prepara um caminho mais construtivo e eficiente sobre o programa nuclear iraniano. “Brasil e Turquia estão convencidos de que é hora de dar uma chance para as negociações e evitar medidas que são prejudiciais para uma solução pacífica da questão”, diz o texto.
Veja a íntegra da carta, traduzida para o português.
"Excelência,
Nós temos o prazer de enviar em anexo a "Declaração Conjunta de Irã, Turquia e Brasil", com anuência de S. Exa. Mahmoud Ahmadinejad, Presidente da República Islâmica do Irã, S. Exa.Luiz Inácio Lula da Silva, Presidente da República Federativa do Brasil, e S. Exa. Recep Tayyip Erdo?an, Primeiro-ministro da República da Turquia, assinada em Teerã, em 17 de maio de 2010. A Declaração Conjunta foi firmada por S. Exa. Manucher Mottaki, Ministro de Assuntos Estrangeiros da República Islâmica do Irã, S. Exa. Ahmet Davuto?lu, Ministro de Assuntos Estrangeiros da República da Turquia, e S. Exa. Celso Amorim, Ministro das Relações Exteriores da República Federativa do Brasil.
A Declaração Conjunta destaca o direito de desenvolver pesquisa, produção e uso de energia nuclear para fins pacíficos, ao mesmo tempo em que salienta a forte convicção dos três países de que a troca de combustível nuclear vai oferecer uma oportunidade para o início de um processo promissor para a criação de uma atmosfera positiva, construtiva, não-confrontativa rumo a uma era de interação e cooperação.
A Declaração reflete, nesse contexto, o claro comprometimento do Irã de depositar 1.200 kg de urânio pouco enriquecido (LEU) na Turquia. Também mostra um caminho realista e dentro do alcance para os arranjos e acordos necessários que estão para serem negociados entre as partes diretamente envolvidas, dentro de datas específicas, para a entrega de 120 kg de combustível nuclear necessário para o Reator de Pesquisa de Teerã (TRR) em troca daquele LEU [urânio pouco enriquecido] depositado [na Turquia].
Nós temos total confiança de que o grupo 5 1 [EUA, Reino Unido, França, China, Rússia e Alemanha] vai revisar a Declaração Conjunta visando trilhar o caminho tanto para a troca de combustível para o TRR na maneira mais eficiente e efetiva bem como considerar as questões relacionadas ao programa nuclear do Irã e assuntos mais amplos de preocupação mútua, rumo a um diálogo construtivo.
Brasil e Turquia estão convencidos de que é hora de dar uma chance às negociações e evitar medidas que atuem em detrimento a uma solução pacífica desta questão.
Aceitem, por favor, Suas Excelências, nossa manifestação de grande consideração.
Celso Amorim
Ministro das Relações Exteriores da República Federativa do Brasil
Ahmet Davuto?lu
Ministro de Assuntos Estrangeiros da República da Turquia"
Tradução Maurício Moraes