Os países que desenvolveram conhecimento científico e tecnológico da energia nuclear avançaram em todos os demais setores. Apesar do mundo conhecer apenas a parte destrutiva da tecnologia nuclear, por meio da explosão da bomba atômica na 2a Guerra Mundial em Hiroshima e Nagasaki, ela tem trazido benefícios enormes para a humanidade com contribuições na área da indústria, agricultura, meio ambiente e principalmente na saúde.
Esse foi o pensamento compartilhado pelos palestrantes do tema "O desenvolvimento científico e tecnológico da energia nuclear e seu papel no cenário internacional”. O assunto foi apresentado na programação da tarde do seminário “A Revisão do Tratado sobre a Não-Proliferação de Armas Nucleares”, realizado nesta quarta-feira (7) pela Comissão de Relação Exteriores do Senado em parceria com o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz).
Odilon Marcuzzo do Canto, da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC), elogiou a iniciativa e disse que eventos como esse contribui para a cidadania brasileira, “porque esse é um assunto de extrema importância para qualquer nação e estamos muito atrasados na tarefa de divulgar e debater o tema com a sociedade”.
No seminário, que antecede a 8ª Conferência das Partes de Revisão do Tratado sobre a Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), marcado para maio, na ONU, houve também consenso de que o Brasil deve investir em seu programa nuclear e não assinar o protocolo adicional ao TNP que dá mais poderes a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) em suas inspeções a atividades nucleares.
O senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), membro da Comissão de Relações Exteriores, que coordenou os trabalhos, afirmou que a produção cientifica e tecnológica na área nuclear no nosso país e no mundo representa conquistas e problemas advindos dessas conquistas, porque surgem para o povo e a opinião publica mundial como adverso com o exemplo da guerra mundial, no entanto a ciência mostrou a capacidade de usufruir da aplicação desses materiais em vários setores, entre eles o da saúde.
Pressão, ameaça ou chantagem
Manoel Domingos Neto, pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF) disse que “quando um país renuncia ao desenvolvimento da tecnologia nuclear suas possibilidades de avanço científico e tecnológico são necessariamente afetados”, criticando a pressão que os países armados nuclearmente fazem sobre os países que não desenvolveram o conhecimento e tecnologia nuclear.
A opinião dele é compartilhada por Odilon Marcuzzo do Canto. Para ele, o protocolo adicional trabalha em cima de desconfiança e é “tremedamente invasivo.” E disse que o Brasil está com toda razão em não assinar o protocolo adicional.
Canto explicou que a salvaguarda na área nuclear – quando as agências verificam se os países estão utilizando a tecnologia nuclear para fins pacíficos – está sendo feita no Brasil e na Argentina pela ABACC e que, para essa fiscalização, a agência possui mandato da ONU. O balizamento do Brasil e Argentina está sendo feito pelo acordo quadripartide – que é o instrumento legal que regula o relacionamento entre a ABACC e a AIEA e define as atividades de salvaguardas nucleares que devem ser feitas.
Para Manoel Domingos Neto, “parece-me que há alguma coisa de pressão, ameaça ou chantagem porque o Brasil não assinará o tratado adicional conforme já está estabelecido em dezembro de 2008”, diz, sem poupar críticas aos Estados Unidos, a quem acusa de “abrir possibilidade de uso da arma atômica contra quem não for signatário da tratado de não-proliferação.”
Em defesa dos próprios interesses
Nesse momento, ele volta “as baterias” contra o anúncio das novas orientações dos Estados Unidos sobre sua política nuclear. E pergunta se realmente as potências nucleares agem em vista da proteção da humanidade ou atendem aos seus próprios interesses ao anunciarem – Estados Unidos e Rússia – acordo de redução dos arsenais nucleares.
O pesquisador tem a resposta para sua pergunta: “Crescem as evidências de que, mais uma vez, os tratados acerca das armas nucleares visam simplesmente reequilibrar forças de maneira a preservar confortavelmente a posição dos grandes detentores de bombas que podem aniquilar a humanidade”, alerta, acrescentando que “o mundo não se torna menos perigosos com esse acordo”.
Ele diz ainda que “não há caso na história de grande império que, em suas dificuldades, manifeste brandura, ao contrário se torna mais ofensivo”, por isso sugere que “a estratégia militar brasileira deve partir desse ponto de vista, de que se trata de uma manobra de uma potência que sente a sua hegemonia ameaçada e reage de forma multifacetada inclusive com redução de sua capacidade destrutiva.”
Manoel Domingos lembra que a manutenção dos grandes arsenais nucleares representam grandes despesas e não correspondem mais ao que interesse aos estados Unidos, que “a miniaturização, a alta precisão e a produção de cargas variáveis das armas nucleares, condição para que sejam operacionais em guerras localizadas (…) único tipo de guerra imaginável desde a destruição de Hiroshima e Nagasaki”.
Tratado desequilibrado
O ministro Santiago Irazabal Mourão, chefe da Divisão de Desarmamento e Tecnologias Sensíveis do Ministério das Relações Exteriores (MRE), que também participou do evento, defendeu a mesma posição dos demais oradores. Ele disse que no TNP, o desarmamento é declaratório e o da não-proliferação é mandatório, o que torna o tratado desequilibrado.
Ele defendeu o programa nuclear do Brasil, citando como exemplo de importante contribuição que as fontes radioativas vão mapear o aqüífero Guarani, maior manancial de água doce subterrânea do mundo, localizada nos territórios do Brasil, Paraguai e Uruguai.
E disse que nas mesas de negociações, o Brasil, como todos os países em desenvolvimento, quer ampliar o espaço da energia nuclear para fins pacíficos, que é a posição contrária dos países armados, que não querem concorrência em área de segurança.
Ele disse ainda que “por trás dessas negociações, há interesses comerciais e econômicos fortíssimos e tentativa mascarada, sob manto da não-proliferação de armas nucleares, de evitar surgimento de novos atores no campo econômico”.
O ministro também falou sobre o controle que os países nuclearmente armados querem ter sobre a transferência de tecnologia. Além de afirmar que a transferência não é suficiente para o desenvolvimento da tecnologia, eles querem controlar a transferência pelo lado da oferta, o que demonstra um descompasso claro, já que não existe controle pelo lado da demanda. Ou seja, os países detentores do conhecimento transferem apenas aquilo que é de seu interesse.