Lugo abre arquivos da ditadura


Cumprindo uma de suas promessas de campanha, o governo do presidente do Paraguai, o ex-bispo Fernando Lugo, anunciou na quarta-feira a abertura de todos os arquivos militares do país, que a partir de agora estarão à disposição de tribunais locais e internacionais que estejam investigando crimes cometidos pelas ditaduras do Cone Sul.O feito foi qualificado como histórico pelos parentes de vítimas.

A decisão de Lugo foi comemorada por organizações de defesa dos direitos humanos, que em agosto do ano passado entregaram ao presidente o relatório final elaborado pela Comissão de Verdade e Justiça, no qual era solicitado o acesso aos documentos.

Para representantes de ONGs locais, a existência dos arquivos militares, que estão no porão do Ministério da Defesa, em Assunção, não é uma novidade. Uma equipe comandada por Martín Almada – que em 1992 revelou os chamados Arquivos do Terror, sobre a repressão por parte da ditadura de Alfredo Stroessner, entre 1954 e 1989, e sua parceria com governos militares da região – descobriu os papéis escondidos no Ministério em novembro de 2008 e desde então trabalhava em silêncio.

Para o advogado, vítima da ditadura de Stroessner (foi sequestrado em novembro de 1974), "a iniciativa do governo Lugo deveria servir de exemplo para todos os governos do continente".

"Muitos países, entre eles o Brasil, deveriam seguir este exemplo", enfatizou Almada, um dos primeiros sobreviventes da ditadura a denunciar a chamada Operação Condor, o plano de ação conjunta entre os regimes militares sul-americanos, nas décadas de 70 e 80. "Encontramos novos documentos que provam a colaboração entre as ditaduras da região. Isto é inédito. O fato de as Forças Armadas abrirem seus arquivos vai ajudar muito a investigação da Operação Condor (…) e vai ajudar a Justiça internacional na Espanha, Argentina, Chile e França", colocou.

A abertura dos arquivos acontece quando a Justiça paraguaia investiga uma possível cova clandestina no sul do país, onde estariam enterrados sete desaparecidos desde 1960. O local foi denunciado por um homem que escapou da polícia repressiva e disse que seus companheiros foram enterrados ali.

Essa é a terceira escavação neste ano que tenta descobrir as centenas de desaparecidos durante o regime de Stroessner, que segundo organismos independentes é responsável por mais de 900 assassinatos e milhares de casos de tortura. "É um grande avanço. Isso se passou há 30 ou 40 anos e ficou impune, mas isso tem que acabar, temos que saber a verdade e que a Justiça aja", concluiu Almada.

Atualmente, os Arquivos do Terror estão no Palácio de Justiça de Assunção e podem ser consultados por paraguaios e estrangeiros. Após encontrarem cerca de 10 mil fichários e papéis soltos no Ministério da Defesa, os pesquisadores paraguaios obtiveram a coperação da ONU, que fornceu tecnologia necessária para organizar a papelada.

Norma Barrios, responsável pelo processamento de documentos, destacou que, no acervo, cerca de 200 pastas contêm informações sobre o papel dos militares na repressão durante a ditadura Stroessner. "Encontramos documentos que falam do G2, o grupo de inteligência encarregado de colocar em prática a Operação Condor, que podem servir nas investigações", afirmou.