Cine Ceará 2009


 A atriz e, agora produtora de cinema, Denise Dummont não vê a hora de mostrar seu “doce acerto de contas” com o pai, Humberto Teixeira, na décima-nona edição do CineCeará ( de julho a 4 de agosto). Afinal, ela — que é filha de cearense e cidadã-honorária de Fortaleza — consumiu “quase sete anos” na produção de O Homem Que Engarrafava Nuvens, cinebiografia poética do mais famoso parceiro de Luiz Gonzaga.

O Homem Que Engarrafava Nuvens, com direção de Lírio Ferreira, é um dos longas-metragens que participarão do festival de Fortaleza. Para Denise, que vive há 24 anos nos EUA, o público “mais desejado” é o cearense. “Afinal, quero mostrar nosso documentário musical para os conterrâneos de meu pai”. Ela acredita que, se fosse vivo, Humberto Teixeira “se emocionaria profundamente ao assistir ao filme com os moradores de sua Iguatu natal e de todo o Ceará”.

Denise Dummont viveu às turras com o pai na adolescência. Garota típica de Ipanema, ela herdou a brancura e a delicadeza da mãe, Margot Bittencourt, atriz de origem italiana. Guardava do pai uma distância respeitosa, temia suas decisões “muito rígidas”. Quando Humberto e Margot se separaram (a mãe uniu-se com o radialista Luiz Jatobá e o casal foi morar nos EUA), a vida da menina Denise mudou profundamente. Filha única, ela permaneceu no Brasil sob a guarda do pai.

Denise resolveu ser atriz, ainda adolescente. O pai, advogado, que exerceu a função de deputado federal nos anos 50, exigia que ela fosse advogada. Teimou e foi fazer teatro. Humberto Teixeira morreu em 1979, aos 63 anos. Para conhecer melhor “o Doutor do Baião”, Denise, Lírio e o fotógrafo Walter Carvalho conseguiram desenhar um amplo perfil do homem que gostava de engarrafar nuvens.

O reencontro de Denise com a memória do pai acabou por aproximá-los. A atriz, que fora “menina de Ipanema, louca por rock”, pôde, então, dimensionar a força do baião, um ritmo que contagiou o mundo. Em entrevista especial para O POVO, Denise Dummont reavaliou a trajetória do pai e a sua própria.

O POVO – Nos anos 80, você estourou na TV, fez filmes picantes como Terror e Êxtase e Rio Babilônia, posou nua na Playboy. Você teria feito estes filmes (e posado nua) se seu pai estivesse vivo?
Denise Dummont – Creio que sim, pois já era maior de idade. Ele não poderia me impedir legalmente. Mas é importante deixar claro que eu amava meu pai, amava do meu jeito. Nossa relação era difícil, pois ele era um homem de valores muito rígidos. E sendo advogado, tinha uma visão muito legalista da vida. No filme, pergunto à minha mãe porque ela não me levou com ela, para os EUA. Ela me responde dizendo que seria impossível, pois meu pai era advogado, e ela não teria condições de derrotá-lo judicialmente. Quando papai morreu, eu já estava envolvida com teatro e fazia novelas na Globo. Tivemos um encontro na véspera da morte dele e pelo que conversamos, senti que ele já estava aceitando a minha opção. Para não desagradá-lo, mudei meu nome civil, Denise Bittencourt Teixeira, para Denise Dummont. Ele não viveu para acompanhar minha carreira. Sei que eu faria Terror e Êxtase (Antônio Calmon) e Rio Babilônia (Neville D´Almeida) em qualquer circunstância. Estes filmes são retratos de uma época, época em que queríamos transgredir, seguir nossos próprios caminhos, nos autoafirmar.

OP – Na sua juventude, você tinha vergonha de ritmos como o baião? Criada na Zona Sul do Rio, só queria saber de rock?
Denise – Eu e todas as jovens da minha época achávamos que os filhos tinham que se rebelar contra os pais. Eu ouvia o “BRock”, que era a nossa trilha sonora geracional. E sendo filha única, que vivia longe da mãe, uma mãe atriz, eu queria traçar meu próprio caminho.

OP – Em que momento você começou a pensar em uma cinebiografia de Humberto Teixeira?
Denise – No momento em que começaram a surgir filmes sobre compositores brasileiros, alguns feitos para a TV, outros para cinema. Isto foi, se tomarmos a idéia e o levantamento das primeiras pesquisas, há sete anos. O nome do Lírio, para direção, surgiu quando a produção começou a ganhar contornos práticos. Trabalhamos muito neste projeto e contamos com ajuda fundamental de Walter Carvalho, que fez a fotografia e é um fã apaixonado de Humberto Teixeira.

OP – O filme cita muitos filmes brasileiros (Tudo Azul, Vidas Secas, etc) e até estrangeiros (Anna). E imagens dos mais diversos arquivos. Como você localizaram estes materiais?
Denise – Eu tinha material em Super-8, com imagens de meu pai com Luiz Gonzaga. E muitas fotos. Numa dela, o espectador o verá montado num camelo. Creio tratar-se de uma imagem dele, no Egito. Deve ter sido feita durante as Caravanas Musicais, que ele, como deputado federal, incentivou. Tenho memórias de relatos que ele fazia de suas viagens. Voltando às imagens: quem fez mesmo a garimpagem foi o pesquisador Antônio Venâncio, um profissional de primeira linha.

OP – Como você montou a engenharia financeira do filme?
Denise – Fácil não foi, mas contamos com parceiros muito prestativos. O senador Inácio Arruda não mediu esforços para nos ajudar. Amigos americanos também me ajudaram no que puderam. Nosso projeto estava apto a captar R$ 3,5 milhões. Conseguimos R$ 2 milhões. Gastei também de meus próprios recursos, pois queria que o filme tivesse qualidade de ponta. As partes faladas em inglês foram legendadas em branco. A leitura ficou prejudicada. Vi Ensaio Sobre a Cegueira, do Fernando Meirelles, com legendas amarelas. Falei para o Lírio: nosso filme vai ter legendas amarelas. Paguei legendas em português (para estes trechos) e temos cópia em inglês e espanhol.

OP – Depois de participar de festivais internacionais e nacionais e, agora, do CineCeará, é hora do lançamento comercial. Quando o filme chegará ao público?
Denise – Aí está o problema. Ainda não encontramos um distribuidor interessado em lançar nosso filme. O Lírio (Ferreira) gosta de lembrar que, quando estávamos filmando em Juazeiro, nos chegou a notícia de que três filmes (Homem Aranha 3, Piratas do Caribe 3 e Shrek 3) ocupavam 80% do circuito brasileiro, de apenas 2.100 salas. Isto não é bom. Nosso filme tem imagens de um grande compositor e traça forte retrato de nossa cultura, de nossa música em especial. Espero conseguir uma boa distribuição para a história deste homem que engarrafava nuvens. Ele merece.

Maria do Rosário Caetano é jornalista, crítica de cinema e autora do livro Alguma Solidão e Muitas Histórias: A Trajetória de um Cineasta Brasileiro.