Lei Maria da Penha


Hoje, a Lei 11.340, batizada de Lei Maria da Penha, completa dois anos de existência. Além de muitos desafios ainda a serem vencidos, o período de vigência da legislação que veio para proteger a mulher e a acabar com a impunidade da violência doméstica mostram à sociedade que vale a pena denunciar.

As estatísticas que envolvem as questões relacionadas à lei são bem positivas. Desde que entrou em vigor, as denúncias de casos de violência na Delegacia de Defesa da Mulher no Ceará aumentaram cerca de 40%; já são mais de 800 homens presos por agredirem suas mulheres e é quase insignificante o número de casos reincidentes.

Já no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Fortaleza, estão tramitando mais de 3.100 processos, com um saldo de aproximadamente 1.700 medidas protetivas concedidas.

“O afastamento do agressor do lar; a proibição de aproximação com a vítima; a obrigatoriedade do agressor dar pensão de alimentos; o afastamento da mulher do lar, junto com filhos, sem prejuízo dos seus direitos; e até a prisão do agressor são medidas importantes que a lei trouxe, deixando claro para a mulher que vale a pena denunciar”, destaca a juíza titular do Juizado da Mulher, Rosa Mendonça.

Conforme ela, a maior luta do trabalho à frente do Juizado consiste na busca por melhorias no atendimento da mulher e na divulgação dos direitos da mulher assegurados na lei. “O nosso objetivo e nosso sonho é implantar aqui um centro de reabilitação para as vítimas e também para o agressor. A prisão do agressor é um instrumento importante, mas tenho plena convicção de que o trabalho social e a educação podem transformar esse cenário. Nós temos observado isso na maior parte dos casos que acompanhamos. Aqui no Juizado, o social é tudo. O nosso trabalho jurídico é pequeno”, explica a juíza Rosa Mendonça.

O trabalho do Juizado da Mulher em Fortaleza não se restringe apenas a medidas jurídicas. A juíza titular destaca que existe uma rede social viabilizada com apoio e parceria de diversas instituições, como Centro de Atenção Psicossocial (Caps), Alcóolicos Anônimos (AA), Narcóticos Anônimos (NA), Conselhos Tutelares, Habitafor, Centro de Referência em Assistência Social (Cras), Centro de Referência da Mulher Francisca Clotilde, Hospital de Messejana, entre outros. Eles atuam no sentido de prestar todo o suporte que a mulher vítima de violência precisa e também para que seja possível a reabilitação do agressor.

“As mulheres, muitas vezes junto de seus filhos, chegam aqui num ato de desespero, num pedido de socorro, porque não suportam mais as agressões de seus maridos. Muitas vezes, nos assemelhamos a médicos de almas”, disse.

No entanto, Rosa Mendonça reconhece que o grande desafio da lei é ter uma rede com estruturas eficientes que propicie o atendimento da vítima e do agressor. “Estamos aguardando uma agenda com o Governador do Estado e com a Prefeita de Fortaleza para tratar dessas questões”, informa, acrescentando que a situação da Capital é bem diferente do Interior, que não dispõe de estruturas de defesa da mulher.

Dependência química

Um dos graves problemas no universo da violência doméstica, conforme ela, trata-se da dependência de álcool e drogas. Hoje, conforme Rosa, o Juizado tem dificuldade de encaminhamento de agressores para tratamento. Entretanto, os encaminhamentos para instituições como AA e NA, conforme ela, têm alcançados resultados satisfatórios.

“Na maioria dos casos, nós verificamos uma mudança de comportamento, que é a parte mais importante desse trabalho. É tanto que quase não existe reincidência”, disse.

Rosa Mendonça considera que a lei tirou a violência doméstica do âmbito privado para o público e alerta que as mulheres não se intimidem caladas com casos de violência, porque o problema é gradativo. “As mulheres pensam que empurrões, tapas, chutes e agressões verbais são besteiras. A violência doméstica começa com pequenos atos e vai crescendo, por isso é tão importante denunciar e não ficar calada”, alerta a juíza.

PROTEÇÃO
Mulheres estão denunciando os crimes

A jovem Maria (nome fictício), de 23 anos, namorava há dois anos. De brigas em brigas, fins e recomeços de relacionamento foi agredida pelo namorado e ameaçada de morte. “Ele só não me chamou de santa e mandou dizer que ia atrás de um revólver para me matar”, disse. Foi aí que ela resolveu ir até a Delegacia de Defesa da Mulher para registrar um Boletim de Ocorrência (B.O). “Sinceramente não sei posso amar uma pessoa que fez isso comigo. Depois, soube pela própria família dele que não sou a primeira, nem a segunda namorada a sofrer isso”, conta.

Ao lado de Maria, uma senhora não se continha em lágrimas, aguardando o atendimento da delegada. Sem agüentar o comportamento violento e devastador do filho dependente de crack, Maria Zilma Araújo resolveu dar uma basta no problema. “Eu vim pedir para delegada tirar meu filho de dentro de casa. Ele já vendeu tudo, me deixa apavorada e ameaçou meu neto de morte. Minha casa era toda direitinha, agora não temos mais nada”, conta.

São casos como estes que chegam diariamente na Delegacia de Defesa da Mulher. A delegada titular Rena Gomes Moura destaca que a explosão de denúncias aconteceu após a criação da Lei Maria da Penha. “Isso não significa que as agressões não aconteciam, mas que a lei deu mais proteção para que a mulher denuncie. Desde o início da lei até hoje, as denúncias aumentaram 40%”, avalia a delegada, informando que nas segundas-feiras chega a receber 80 ocorrências.

Rena alerta que é importante denunciar, uma vez que as estatísticas mostram que os casos tendem a ficar mais graves. “A violência é gradativa”. Além disso, a delegada Rena Gomes destaca que é necessário haver uma mudança de paradigmas para que o homem mude a idéia de que a mulher é uma propriedade dele.

“Grande parte dos agressores convive com situações de violência anteriormente e realmente acredita que aquilo era comum. Trabalhar essa questão na educação é um desafio”.