José Martí


O Congresso Nacional realizou nesta terça-feira sessão solene em homenagem aos 155 anos do nascimento de José Martí (-1895), líder da independência cubana. O requerimento para a realização da sessão, de autoria da deputada federal Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), recebeu apoio do líder do PCdoB no Senado, Inácio Arruda (CE), e dos senadores Renato Casagrande (PSB-ES), José Nery (PSOL-PA), Jefferson Praia (PDT-AM) e João Pedro (PT-AM).

José Martí, poeta, escritor, orador e jornalista, é considerado pelo povo cubano o grande mártir da independência daquele país. Preso e processado por suas idéias separatistas, foi morto por tropas espanholas em 1895, tendo seu corpo esquartejado e exposto à população.

O Senador Inácio Arruda, dentre vários outros senadores e deputados que usaram da palavra, lembrou a contribuição de José Martí para o processo de independência dos países da América Latina, devotando sua vida à luta contra o colonialismo e pela construção do continente que queria livre do domínio de qualquer potência, inclusive dos Estados Unidos, antecipando que este emergiria como futuro inimigo de uma Cuba independente: “Convicto de a liberdade do Caribe era crucial para a segurança da América Latina e para o equilíbrio de poder mundial, Martí dedicou seus esforços em rejeitar o pan-americanismo patrocinado por Washington. Tendo vivido quinze anos nos Estados Unidos, cunhou sua frase mais conhecida: “Vivi no monstro, e conheço suas entranhas". Suas idéias e propostas fizeram dele o maior símbolo de resistência ao poder de intervenção norte-americana na Ilha e na América Latina, influenciando, com seu exemplo, vários líderes como Che Guevara, Fidel e Raul Castro”, afirmou Inácio.

Um grupo de parlamentares cubanos, formado pelo presidente da Assembléia Nacional do Poder Popular de Cuba, Ricardo Alarcón de Quesada; pelo presidente do Grupo Parlamentar Cuba-Brasil, José Luis Fernandez Yero; pela deputada Yenielys Regueiferos Linares e pelos assessores do presidente Alarcón Miguel Alvarez Sanchez e Vitor Leyva Blanco, participou da sessão solene e, mais tarde, da abertura de exposição de fotografias de Cuba e poemas de José Martí, no corredor de acesso ao plenário da Câmara dos Deputados. A exposição poderá ser vista até a próxima sexta-feira ().

PRONUNCIAMENTO DO SENADOR INÁCIO ARRUDA (PCDOB–CE)

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, Senhoras e Senhores Deputados, Prezadas Senhoras, Prezados Senhores,

Quero, inicialmente, cumprimentar a Deputada Vanessa Grazziotin por ter apresentado o Requerimento para a realização desta Sessão Solene do Congresso Nacional. Prestar homenagem a José Martí – no caso, aos 155 anos de seu nascimento – é prestar homenagem, em última instância, à própria condição humana.

Porque José Martí, Senhora Deputada – e estou certo de que sua iniciativa foi baseada acima de tudo nesta constatação – é exemplo do ser humano inteiro, completo, total. Um daqueles homens em que se reúnem, com especial sinergia, teoria e prática, idéia e ação, inteligência e vigor, conhecimento e atitude. Um daqueles homens que conseguem exercer uma ampla gama de atividades e, em cada uma delas, dar contribuições fundamentais.

José Julián Martí Pérez foi, é claro, o brioso líder revolucionário, o grande organizador da luta pela independência de Cuba.

Ainda adolescente, começou a publicar textos separatistas, como o panfleto El Diablo Cojuelo e a revista La Patria Libre. Essa militância, e a posse de papéis considerados subversivos, fazem com que seja condenado a trabalhos forçados e, mais tarde, deportado para a Espanha.

Lá, não descuida da pregação libertária. Publica O Presídio Político em Cuba, trabalho em que descreve os maus tratos sofridos na prisão. Ao mesmo tempo, porém, aprimora sua formação intelectual, obtendo a graduação em Direito e o doutorado em Leis, Filosofia e Letras.

Nas próximas duas décadas, vividas em sua maior parte nos Estados Unidos, Martí vê tornar-se cada vez maior o sonho de liberdade. Afinal, no limiar do século XX, com quase todos os países americanos já independentes, Cuba permanecia como colônia.

Até que, sufocado com tal circunstância, resolve dedicar-se exclusivamente à causa da libertação. Em 1882 fundou o Partido Revolucionário Cubano, que tinha por objetivo não apenas alcançar a independência nacional, mas “fundar um povo novo”, transformando radicalmente a estrutura secular de dominação do Império espanhol. Passados três anos, em 25 de março de 1885, lançou um de seus textos mais contundentes, o Manifesto de Montecristi, em que expunha com clareza as metas gerais da almejada revolução nacional.

Viaja por vários países, buscando articular-se com outros líderes do movimento separatista, como Máximo Gómez e Antonio Maceo. Finalmente, estabelecidas as condições para a luta em solo cubano, desembarca na ilha e escreve em seu diário:

Até hoje, não me havia sentido um homem. Vivi envergonhado, arrastando as correntes de minha Pátria. Este repouso e bem-estar que sinto agora refletem o júbilo com que os homens se oferecem ao sacrifício por uma causa nobre. É um imenso prazer viver entre homens na hora de sua grandeza.

Pouco tempo depois, é surpreendido numa prosaica escaramuça com as forças espanholas, e tomba para tornar-se o grande mártir da independência cubana.

Apenas essa face, Senhor Presidente – a do líder revolucionário, a do libertador que se iguala em estatura a heróis como Bolívar e San Martin –, já seria suficiente para colocar José Martí na galeria dos grandes expoentes da América Latina.

Não obstante, ele foi muito mais. José Martí, sabemos todos, foi poeta inigualável. Seu primeiro livro de poemas, Ismaelillo, é considerado precursor do modernismo latino-americano, anterior até mesmo ao célebre Azul, do nicaragüense Rubén Darío. Quanto ao mérito das composições, basta dizer que o próprio Darío reconhecia que "Martí escreve mais brilhantemente que qualquer outro da Espanha ou da América".

Dos Versos Singelos, seguramente sua maior contribuição à literatura, foi retirada a letra de Guantanamera, uma das músicas mais representativas de nosso continente. Dono de notável erudição, Senhor Presidente, Martí foi também brilhante ensaísta, capaz de discorrer com conhecimento de causa tanto sobre a influência dos Estados Unidos, em um planeta que passava por grandes transformações, como sobre a estrutura dos poemas de Walt Whitman.

Poliglota, traduziu Horácio, Victor Hugo, Ralph Emerson e Edgar Allan Poe. Incursionou no campo da filosofia, com um pensamento que rompe com os padrões convencionais para dar voz ao crioulo, ao índio e ao afro-americano, formulando um novo conceito moral que une a vontade de emancipação com a busca de justiça social.

José Martí também foi jornalista. Escrevia para dezenas de jornais de todo o continente americano – dos Estados Unidos à Argentina –, sobre política, artes e literatura. E exercitou a diplomacia, assumindo a função de cônsul, nos Estados Unidos, tanto da Argentina como do Paraguai e do Uruguai.

De modo, Senhor Presidente, que penso não haver dúvidas sobre a grandeza de José Martí e, conseqüentemente, sobre o caráter bastante oportuno desta homenagem que aqui lhe prestamos. Ao mirá-lo, repito, miramos um ser humano completo. Um ser humano que conseguiu ser essencial na política, na filosofia, na literatura, em cada uma, enfim, das inúmeras atividades a que se dedicou.

Mas creio, Senhoras e Senhores, que essa estatura se torna ainda maior, essa inteireza fica ainda mais flagrante, se atentarmos para o fato de que José Martí foi, acima de tudo isso, um homem extremamente lúcido.

Já é muito difícil reunir, numa só pessoa, uma gama tão diversificada de qualificações. Mas ainda é mais difícil – bem mais difícil – que essa pessoa consiga manter, em cada momento da vida, sempre a mesma e inquestionável lucidez.

Quanto a esse aspecto de seu caráter, são incontáveis as demonstrações. Para não alongar-me, porém, cito apenas duas, que julgo suficientemente ilustrativas.

Em primeiro lugar, Senhor Presidente, o cuidado com a educação popular. Uma educação que não se dirige exclusivamente à classe mais pobre, mas a todas as camadas da população. Uma educação baseada na escola aberta, que acolhe todos que têm algo a ensinar e todos que desejam aprender. Uma educação, nas palavras de Martí, "que cozinhando ensina a cozinhar, andando ensina a andar, retratando ensina a retratar, que ensina a assar batatas e a medir as ondas de luz".

Sr Presidente, Sras e Srs Senadores e Deputados, Martí foi revolucionário, intelectual, professor e poeta, devotando sua vida à luta contra o colonialismo e pela construção da Nossa América, continente que queria livre do domínio de qualquer potência, inclusive dos Estados Unidos, antecipando que este emergiria como futuro inimigo de uma Cuba independente.

Convicto de a liberdade do Caribe era crucial para a segurança da América Latina e para o equilíbrio de poder mundial, Martí dedicou seus esforços em rejeitar o pan-americanismo patrocinado por Washington. Tendo vivido quinze anos nos Estados Unidos, Martí cunhou sua frase mais conhecida: “Vivi no monstro, e conheço suas entranhas".

Dessa forma, lhe coube a missão de alertar seus compatriotas sobre os riscos de livrar-se de um jugo e cair em outro: libertar-se da Espanha e passar ao domínio dos Estados Unidos. Suas idéias e propostas fizeram dele o maior símbolo de resistência ao poder de intervenção norte-americana na Ilha e na América Latina, influenciando, com seu exemplo, vários líderes como Che Guevara, Fidel e Raul Castro.

O artigo Nossa América, publicado em janeiro de 1881, teve efeito duradouro e se tornou a mais bem acabada exposição do ideário latino-americano. Nele, Martí nos convida a deixar de lado os antigos costumes hierárquicos e abraçar a organização democrática. O texto oferece uma reflexão profunda sobre a superação das principais mazelas herdadas da colonização: o latifúndio, a monocultura, a escravidão e a descriminação racial.

Para tanto, é preciso que o sistema de ensino, ainda predominantemente baseado em teorias e modelos europeus e norte-americanos, dê lugar a uma educação e cultura autenticamente americanas, de modo que, ampliando o conhecimento sobre a realidade do continente, possa livrá-lo em definitivo da tirania e fazê-lo assumir seu verdadeiro destino.  

Este, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores, foi José Martí. Em seu perfil, reuniu tudo aquilo que o pensamento de esquerda tem de mais nobre, de mais idealista, de mais libertador. Ao lado de outros personagens-chaves das revoluções de Independência no Novo Mundo, tais como San Martin, Simon Bolívar e José Bonifácio, o mais influente intelectual da independência do Brasil, Jose Martí, “pai da pátria cubana”, ofereceu rica e original contribuição para o pensamento político latino-americano.

Os discursos dos libertadores alimentaram o surgimento dos Estados nacionais e persistem, ainda hoje, como referências para o processo de integração continental. Os novos ventos que hoje sopram na América Latina, com a eleição de governos democráticos e comprometidos com a causa do povo, como Hugo Chávez na Venezuela, Fernando Lugo no Paraguai, Tabaré Vasquez no Uruguai, Evo Morales na Bolívia, Michele Bachelet no Chile, Rafael Correa no Equador, Daniel Ortega na Nicarágua, Raul Castro em Cuba e o presidente Lula no Brasil, são frutos dos ideais defendidos com tanto vigor e obstinação por José Martí.

A ele, portanto, as nossas comovidas homenagens. Era o que tinha a dizer. Muito obrigado, Sr. Presidente!