Lei Aurea faz 118 anos… mas acabou a escravidão?


Em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel colocou sua assinatura na lei que determinava o fim da escravidão no país. A penada, vista como ato heróico da filha de dom Pedro II, foi, de fato, uma pensada jogada política para tentar garantir sobrevida à decadente monarquia. A estratégia de entregar os anéis para não perder os dedos não deu certo e cerca de um ano depois era proclamada a República, em outro ato burlesco, mas isso é outra história.   


Antes mesmo da assinatura da lei, expoentes do abolicionismo como Joaquim Nabuco sabiam das limitações da abolição por decreto. No livro “O Abolicionismo”, de 1883, Nabuco argumentava: “…Mesmo que a emancipação total fosse decretada amanhã, a liquidação desse regime daria lugar a uma série infinita de questões… Depois que os últimos escravos houverem sido arrancados ao poder sinistro que representa para a raça negra a maldição da cor, será ainda preciso desbastar, por meio de uma educação viril e séria, a lenta estratificação de 300 anos de cativeiro, isto é, de despotismo, de superstição e de ignorância”.


Outro líder do movimento à época, André Rebouças, já sabia o que até hoje muitos insistem em negar. Para ele, a abolição da escravatura sem uma reforma agrária era um ato infame porque condenava os descendentes das nações africanas a ser um povo sem terra para extrair dela seu sustento. A alternativa seria vender sua força de trabalho por moradia e comida, pouco mudando a situação efetiva em que se encontravam.



Viva Zumbi – Os movimentos negros, sindical e populares relembram outra data para comemorar uma liberdade que ainda está longe de ser plenamente atingida: o 20 de novembro, data da morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, assassinado em 1695. A partir de 1978, o movimento negro comemora o 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra. 


Escravagismo contemporâneo – O Brasil “moderno” do século 21 ainda convive com trabalho escravo, espalhado, principalmente, por fazendas onde vigora a lei do cão. Criado em 1995 para combater essa prática, o Grupo de Fiscalização Móvel, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), completa 11 anos em junho com importantes vitórias no combate ao trabalho escravo, mas mostrando que há muito a ser realizado nessa área, tanto em relação à fiscalização como nos aspectos legislativos que coíbam e punam tal prática.



Entre 1995 e 2002, foram libertados 5.893 trabalhadores, com pagamento de indenizações que somaram R$ 3,5 milhões. A partir de 2003, o recém empossado governo Lula mudou o foco de atuação, instituiu o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e deu melhores condições para o GFM exercer seu trabalho. Resultado: entre 2003 e 2005 foram libertados 12.287 trabalhadores e cobradas indenizações no valor de R$ 18,5 milhões. Até o início de maio deste ano, outros 811 trabalhadores foram libertados (veja quadro ao final desta matéria).


Uma das mais recentes investidas do GFM ocorreu entre os dias 17 a 21 de abril, em Tocantins. A ação começou na fazenda Santa Genoveva, de Eustáquio Barbosa Silveira, município de Arapoema, onde 17 trabalhadores foram libertados. Conforme relato do Grupo, os trabalhadores estavam há pelo menos quatro meses alojados em barracas de lona no meio do mato, bebiam água e tomavam banho no mesmo rio que servia de bebedouro aos animais da fazenda.


Segundo o Ministério do Trabalho, no momento do flagrante os trabalhadores se preparavam para comer carne contaminada servida pela fazenda, retirada de um gado que havia morrido havia dias.


Em outra ficalização, na fazenda Cangalha, (município de Riachinho), o Grupo Móvel encontrou 20 trabalhadores – entre eles quatro menores de idade – que executavam o trabalho quase nas mesmas condições encontradas na fazenda Santa Genoveva. Eles relataram ao auditor fiscal Humberto Célio Pereira que estavam há uma semana sem alimentação. A proprietária da fazenda, Marta Alves, nunca havia pagado um centavo aos trabalhadores.
 


Expropriação é a solução – Dia 28 de abril, o Portal do Mundo do Trabalho entrevistou o ministro Luiz Marinho (MTE) e o questionou sobre a eficiência da legislação brasileira no combate ao trabalho escravo. O ministro afirmou que “estão em curso cerca de 200 processos criminais na Justiça Federal; 111 ações civis públicas por dano moral coletivo; 24 ações civis coletivas e 22 ações de execução de título extrajudicial na Justiça do Trabalho. Tramitam no Congresso Nacional vários projetos de lei sobre a matéria. Também está em tramitação na Câmara dos Deputados a proposta de emenda constitucional – PEC 438 – que propõe a pena de expropriação das terras onde ocorrer a prática do trabalho escravo, que constitui a medida mais importante para a erradicação do trabalho escravo em nosso país.  Como se vê, estão sendo adotadas medidas para a efetiva e completa punição dos culpados.


Apesar dessas medidas ainda há muitos Eustáquios e Martas Alves pelo Brasil afora, utilizando mão-de-obra escrava, aliciada por “gatos” que iludem esses trabalhadores com promessas de bons empregos e salários.


As ações do Grupo Móvel devem continuar e serem aprofundadas, mas o Congresso Nacional tem que ter coragem e vontade política para acabar com essa chaga, tornando lei a expropriação de terras onde houver trabalho escravo.