O que está em jogo é qual será o caráter e objetivo dessa instituição


por Marcelo Gavião*


Tem crescido no Brasil o debate sobre a democratização do acesso ao ensino superior. A eleição de Lula em 2002 deu ao movimento social brasileiro um novo fôlego para essa luta, isso ocorreu principalmente depois do início dos debates sobre a necessidade de reformar a universidade e colocá-la a serviço do projeto de país que queremos.


A universidade pública brasileira tem hoje o seu acesso restrito a uma pequena parcela da nossa sociedade, em determinados cursos isso se acentua de maneira drástica: segundo o Datafolha, em São Paulo, a população que faz parte da classe A1 – o pico culminante da pirâmide social brasileira – com renda familiar estimada em R$ 7.793,00, é de 1% da população, porém ocupa 22% das vagas de medicina da USP.


Essa realidade se repete em todo o nosso sistema superior de ensino, a falta de oportunidade afasta milhares de jovens do sonho de entrar em um curso superior, segundo o Inep 88,8% dos estudantes que concluem o ensino médio o fazem na escola pública, contudo, apenas 34% destes prestam vestibular, pois a possibilidade de aprovação é tão pequena, e a disputa com os estudantes das escolas privadas tão desleal que os estudantes das escolas públicas nem se arriscam em fazer a prova.


Fazer da universidade um espaço para todos, independente de sua origem é o grande mérito dessa iniciativa que visa reservar 50% das vagas das universidades públicas para estudantes egressos de escolas públicas e dentro dessa porcentagem uma cota para negros e índios seguindo os indicadores do último senso do IBGE.


A elite brasileira percebe a possibilidade de aprovação, e parece ter acordado para o impacto social que esse projeto provoca. Temos observado nos últimos meses uma grande movimentação em Brasília, com o objetivo de atrasar a tramitação e a aprovação do Projeto de Lei que versa sobre essa questão.


Depois de simplesmente observar ele ser aprovado por unanimidade em todas as comissões por onde passou, deram início uma verdadeira cruzada contra sua aprovação. Argumentam que não se pode aprovar um projeto dessa envergadura “sem esgotar o debate”. O que eles não falam é que já existem projetos no Congresso Nacional que tratam desse assunto desde 1999 e que o PL em pauta esta na Câmara dos Deputados desde 2004.


No final do ano passado o PL 3627/04 foi levado ao plenário da câmara e não foi aprovado por falta de quorum, na ocasião votaram 189 Deputados, sendo que desses apenas 2 foram votos contra. O que chamou a atenção naquele momento foi o fato do PSDB e o PFL terem jogado pesado pra derrubar o quorum.


Os mesmos foram “pegos de surpresa”, pois o projeto foi para a CCJ – Comissão de Constituição e Justiça, onde foi julgado em caráter terminativo, sendo aprovado depois de várias horas de debates e mais uma vez por unanimidade, ficando assim em condições de ir direto para o Senado, o que ocorreria se o líder do PSDB Deputado Alberto Goldman não tivesse levantado mais de 70 assinaturas de deputados da oposição pedindo que o projeto antes de ir ao senado passasse pelo plenário da Câmara.


Mais mesmo com todos esses empecilhos, mais uma barreira foi superada na semana passada. A Andifes que era contra o projeto, por considerar pequeno o tempo de 4 anos dado as universidades para se ajustarem as novas normas e defendia por tanto que o prazo fosse de 10 anos, fechou acordo com outras entidades do campo da educação na defesa de 6 anos como prazo.


A luta pela aprovação dessa proposta, embora esteja avançando, esta longe de terminar. Os vários argumentos que surgiram ao longo dos anos contra ela, na grande maioria das vezes escondem um grande preconceito e medo.


Decidamos como sociedade se queremos continuar filtrando o acesso ao ensino superior por esse joguinho de múltipla escolha para ricos bem-treinados e, muito ocasionalmente, pobres e negros. Eu não sou contra o mérito, tenho apenas outro conceito: um negro, da escola pública, que chegou ao 3º ano do ensino médio em boas condições de escrita, argumentação e cultura geral pode ter, para mim, mérito tanto quanto um estudante branco da escola particular de resultado cinco pontos mais alto no vestibular, mesmo que este último saiba qual é a capital da Finlândia e aquele da escola pública não.


Devemos continuar lutando pela democratização do acesso ao ensino superior, apoiando inclusive a ampliação de ações como a do Prouni, que hoje é um dos projetos mais bem avaliados do governo Lula. Essa vitória representará para uma imensa parcela da juventude, a possibilidade de sonhar com um futuro de muito mais possibilidades, pois a socialização do saber é fundamental para o desenvolvimento de qualquer nação.


Nesse grande debate sobre a Reforma Universitária, o que está em jogo é qual será o caráter e o objetivo dessa instituição, se continuará sendo um instrumento de reprodução das desigualdades sociais, ou se acompanhará a alteração na direção política conquistada em 2002. Precisamos de uma universidade que pense um novo projeto de desenvolvimento nacional, que atenda a todas as classes sociais, raças, ou credos.



*Marcelo Gavião é estudante de Jornalismo, membro do Comitê Central do PCdoB, vice–presidente nacional da UJS e ex-presidente da União Brasileira dos Estudantes