A mídia sempre esteve a serviço do poder


O Jornalista Mino Carta em entrevista a Classe Operária faz uma análise da mídia brasileira e de sua relação com a crise no governo. Leia aqui entrevista na Íntegra.


” Há um processo de sangramento deste governo para impedir a reeleição e esmagar qualquer idéia de governo de esquerda”


Denuncismo objetiva derrubar o presidente Lula, na opinião do jornalista Mino Carta
Ele é um dos totens da imprensa brasileira. Foi criador de publicações importantes como Quatro Rodas, Jornal da Tarde, Veja, IstoÉ e Carta Capital, que dirige e é uma das mais conceituadas revistas brasileiras de nossos dias. Mas é cético quanto ao jornalismo, e tornou-se um dos principais críticos da falta de ética e mesmo da irresponsabilidade praticada nas grandes redações. Ele falou sobre tudo isso, e um pouco mais, para A Classe Operária.


A Classe Operária: Em sua edição de 24 de agosto, CartaCapital traz um duro artigo seu sobre a qualidade do jornalismo brasileiro – pelo menos o jornalismo das grandes empresas de comunicação. Vivemos uma era de vale tudo na mídia?
Mino Carta: A mídia no Brasil sempre foi uma das faces do poder. Portanto, nada surpreendente. A diferença talvez esteja no fato de que os jornalistas e profissionais de outros tempos faziam um jornalismo de melhor qualidade, apesar da imprensa sempre ter servido ao poder. Mas os profissionais tinham, por exemplo, um melhor conhecimento da língua, lidavam melhor com o vernáculo do que hoje. O jornalismo brasileiro, desse ponto de vista, decaiu brutalmente. Havia jornalistas como Rubem Braga, Joel Silveira, Cláudio Abramo, Jânio de Freitas – que ainda está aí militando, tem uma coluna na Folha de S.Paulo – Odilo Costa, Filho. Enfim, havia jornalistas de muito boa qualidade, gente que lidava bem com a língua portuguesa, eram pessoas com uma visão do mundo bastante ampla, com um conhecimento extenso do que interessa efetivamente. Homens que sabiam aplicar o senso comum, mas não diziam barbaridades. E que, de uma maneira ou de outra, no relacionamento com os outros jornalistas, tinham um comportamento justo, não copiavam suas matérias sem dar o crédito, por exemplo. Não se sujeitavam de forma tão clamorosa à idéia da concorrência; não estavam tão preocupados com os interesses dos seus patrões.


A Classe Operária: A imprensa já foi descrita como o quarto poder. Ela faz parte do sistema de poder formado pela classe dominante e pelo grande capital?
Mino Carta: Neste exato momento em que estamos vivendo? Nesta crise? Ora, nesta crise fica demonstrado claramente o quanto essa mídia serve ao poder. Essa pressão toda, essa, digamos, forma muito peculiar de denuncismo corresponde, efetivamente, ao propósito do poder de degenerar Lula até o último momento. No fundo, não me parece que o objetivo seja derrubar Lula. Acredito, inclusive, que o Editorial do Estado de S. Paulo, do dia 20 de agosto, é perfeito: “ruim com o Lula, pior sem ele”. Porque os banqueiros nunca ganharam tanto neste país como neste momento, graças à política do senhor Antonio Palocci. De um modo geral, quem tem dinheiro está se saindo maravilhosamente bem porque com esses juros qualquer um ganha dinheiro. Só que, quais são as outras vantagens? Nenhuma. Produção, zero – ou, pelo menos, em baixa. E cinqüenta empresas aproximadamente conseguem exportar. Já aí ganham pouco porque sem dúvida elas ganham, mas o ganho aí está sujeito às regras mundiais e não às do Brasil. Portanto, o lucro é menor. E o resto é o que se move. E a produção é pura fumaça.


A Classe Operária: Eles aplicam a lógica do jagunço, de ir sangrando o governo, como disse o Wanderley Guilherme dos Santos.
Mino Carta: Sim. Para mim, essa é a lógica. O Wanderley já havia dito, no começo da crise, que estava sendo encaminhado um projeto de golpe branco. Nunca concordei muito com essa idéia, sobretudo porque acredito que não convém ao poder derrubar Lula. Sempre pensei que estivesse em andamento um processo de sangramento deste governo para, em primeiríssimo lugar, impedir a reeleição e, em segundo, esmagar qualquer idéia de governo de esquerda no país. Não que o do PT tenha sido um governo de esquerda…


A Classe Operária: Voltando ao início, qual a relação entre o jornalismo das grandes empresas de comunicação e a chamada verdade dos fatos?
Mino Carta: Nenhuma, relação zero. A verdade dos fatos, que chamo nos meus devaneios de verdade factual, é ignorada; não importa o fato. O que importa é a interpretação do fato. O Delfim [Netto] diz: “só sai o que realmente interessa ao poder”, “só se acompanha o assunto que interessa ao poder”. E é verdade. A crise de 1992 tinha sido cantada antes. Em abril de 1992 veio à tona, publicada naturalmente pela Veja, que é o instrumento-mor do poder, a denúncia do Pedro Collor, justamente porque o poder já estava começando a se cansar do pedágio a ser pago ao senhor Collor, que era muito salgado, de 40%. Mas em outubro de 1990, ou seja, um ano e meio antes, a revista IstoÉ já havia publicado uma matéria, assinada pelo Bob Fernandes. Por causa dessa matéria, inclusive, houve uma tentativa de compra deste que aqui fala, por parte de um emissário da ministra Zélia Cardoso de Mello. Ele foi à revista IstoÉ numa tarde de sexta-feira do final de outubro de 1990 e ofereceu algo que eu não sabia bem o que era. Respondi a ele “ponha-se daqui para fora”. E ainda disse “eu não sou dono disto aqui. O dono se chama Domingos”. Ele foi embora. Depois de umas duas horas, o Domingos [Alzugaray] foi até mim e me disse “escuta, estavam me oferecendo uma grana preta para não publicar essa matéria. O que você acha?”. Respondi: “acho que devemos publicar”. E a matéria saiu. Mas eles teriam gastado dinheiro à toa, porque ninguém foi atrás daquela matéria porque, naquele momento, não interessava.


A Classe Operária: Você foi um dos criadores de Veja. Durante muitos anos, ela foi a revista brasileira mais importante e hoje foi transformada em um panfleto ruim. Como isso aconteceu, em sua opinião?
Mino Carta: Infelizmente nunca acreditei muito no jornalismo, porque o jornalismo é necessariamente superficial. Não há nunca a perspectiva para entender bem o que de fato aconteceu. Mas a honestidade é questão central. Quer dizer, que você conte as coisas como as viu, deixando bem claro que aquilo que está dizendo é como você viu, mas que pode existir uma outra verdade. Isso me parece que seria a tarefa mínima do jornalista. E acho que não é este o jornalismo que está sendo praticado aqui no Brasil.


A Classe Operária: Você tem sido, há muitos anos, um observador da política brasileira. A situação de hoje é comparável à do passado?
Mino Carta: Esta é uma crise espantosa porque é política e é moral. Mas, é espantosa e mostra como este país ficou inviável. Não gostaria de afirmar coisas muito bombásticas, mas acredito que sem um gravíssimo abalo social isto aqui não conserta. O Brasil de hoje é muito pior que o Brasil de 50 anos atrás, um país entregue a formas políticas populistas, mas incrivelmente promissor.


A Classe Operária: O país tinha um projeto nacional…
Mino Carta: Sem dúvida. Era um projeto no fundo nascido do Getúlio, embora tenha sido a certa altura um ditador. Mas ele percebeu algumas coisas e dotou o país de alguns instrumentos mínimos. O que não tinha ainda acontecido era o surgimento de um proletariado na acepção européia do termo, quer dizer, uma classe operária consciente da sua força. Mas antes que ele surgisse deu-se o golpe de 1964. Em nome do quê? Da subversão em marcha e do caos econômico. A subversão, continuo procurando desesperadamente. Quando há uma classe operária consciente de sua força, ela se torna efetivamente uma força. O Partido Comunista Italiano foi decisivo para o progresso da Itália. Nunca pegaram ninguém envolvido com corrupção. Agora, eles tinham um projeto independente para a Itália. E porque eram comunistas, sabiam perfeitamente que não poderiam ter o mais pálido deslize. Agora, veja essa coisa do PT, que tristeza! É terrível para o Brasil. Como eu te dizia, com a eleição do Lula, pela primeira vez na história do país, vi a oposição ganhar contra essa mídia eletrônica, policiada por sistemas fantásticos, tecnologias avançadíssimas etc. O PT teve 62% dos votos. Isso é uma escolha complicada num país como o Brasil. E revolucionária. E o PT não entendeu. Não teve, a meu ver, nem a inteligência, nem a coragem para implementar um projeto diferente, com todas as cautelas recomendáveis, com todas as precauções devidas para não naufragar logo.


A Classe Operária: Há quem pregue o fim das ideologias. O que você acha dessa tese?
Mino Carta: Nós somos ainda um país medieval, que precisa de ideologia. Um partido de esquerda num país como o Brasil, forte, aguerrido, capaz de até canalizar, para o melhor, as energias. É fundamental para fazer uma mediação com o povo sofrido que até hoje não se deu conta do seu sofrimento, que não tem consciência da cidadania. Se não houver um bom partido de esquerda é uma tragédia. E o PT jogou fora a oportunidade. E essas coisas não se repetem tão facilmente.