Recompor a frente das forças democráticas e progressistas


A crise política em curso ainda não chegou ao seu desfecho. Os desacertos e incorreções políticas e éticas praticados pela direção do PT, reconhecidos e proclamados pela nova direção petista, deram margem a vasta exploração política por parte das forças conservadoras, no seu afã de inviabilizar o governo Lula, desmoralizar o PT e toda a esquerda. Essa situação favoreceu objetivamente o crescimento de uma nova onda conservadora, fazendo desfilar como vestais defensores dos bens públicos deputados e senadores que compõem a mais fina flor da oligarquia espoliadora brasileira. Pessoas desse tipo, travestidas de justiceiras, revezam-se nos amplos espaços que lhes concedem a grande imprensa.


A crise atual se prolonga por mais de dois meses em ritmo agudo, exacerbando a luta política em desenvolvimento.


O nível alcançado pelo embate, em sua evolução de persistente viés negativo para as forças de esquerda e progressistas, faz surgir um novo desafio: impedir o aborto da experiência inicial da esquerda, mesmo considerando que sua marcha tem sido contraditória, fragmentária e, evidentemente, pelo curto tempo, incompleta.


As forças conservadoras que compõem um sistema de poder no Brasil, desde a base econômica até a superestrutura política, midiática e institucional, trabalham febrilmente para desacreditar e imobilizar o governo Lula, objetivando a sua volta. Para isso, visam destroçar por longo tempo o PT e qualquer pretensão pela esquerda. A oposição conservadora quer transmitir ao povo e incutir nele o seu clamor incontido de “basta de Lula”, na ânsia revanchista e mantenedora da sua ordem de profundas desigualdades. Essas forças políticas reacionárias vêm alcançando êxitos importantes. Conseguiram desmantelar o núcleo principal de comando político do governo, assumindo a iniciativa política no confronto em curso.


Com a situação criada, agem para fortalecer no sentido da sua lógica o setor governamental responsável pela condução da orientação econômica, uma vez que esta atende os seus interesses.


A experiência realizada através do novo governo, na sua curta trajetória, refletindo uma realidade da correlação de forças existentes, não conseguiu superar os limites de um projeto fragmentado e os marcos de um conjunto de forças heterogêneas. Ademais, o governo encontrou-se enredado em convulsões políticas sucessivas, desde o começo de 2003, até atingir o clímax da crise atual, chegando ao risco de falência. O governo encerrado nos limites das novas forças e de alianças inconsistentes viu-se em meio a um velho aparato de poder de cunho conservador e reacionário, disposto a envolver e a expelir as novas forças, semelhante à reação de um organismo vivo diante de um corpo estranho.


A crise em desenvolvimento vai danificando a imagem do governo, sobretudo do principal partido de sua base, o PT, e atinge as esquerdas em geral. Na situação presente, paralisar a instabilidade política gerada pela crise, conter o perigo da falência da nova experiência, na nossa ótica, passa necessariamente pela recomposição de uma frente das forças democráticas, progressistas e populares que se dispersaram e do reforço do papel do presidente Lula. Entretanto, a aglutinação das forças avançadas e o amplo apoio político ao presidente da República dependem essencialmente da atualização de uma plataforma que responda aos anseios democráticos e progressistas, que amplie a liberdade política da representação popular, que resgate a expectativa de mudança, que destrave os freios para um nível de desenvolvimento elevado e reforce as políticas e medidas de universalização dos direitos sociais.


O ponto nodal da reconstrução da via da mudança está na reorientação da política econômica. Hoje, tanto à direita como à esquerda cresce a convicção de que a política econômica em vigor se esgotou. Pelo lado da direita a busca da “mudança”é para reforçar os fundamentos atuais, e pelo lado da esquerda se expressa no esforço de definir e aplicar uma política econômica que supere os marcos da orientação ortodoxa e monetarista atual.


A onda conservadora que ganha altura em conseqüência do sentido que tomou a crise, coloca o conservadorismo em posição ofensiva. Propostas no terreno econômico como o “déficit nominal zero”, ou no terreno político como o pacto das elites para sair da crise — “concertação de políticos dotados de lucidez e senso de responsabilidade, do governo e da oposição” — , ganham foro de credibilidade e visam fechar o caminho para a retomada de uma alternativa desenvolvimentista e democrática.


Por isso, se impõe a iniciativa do diálogo e do debate entre as correntes e personalidades democráticas e progressistas e os movimentos sociais mais representativos na tentativa da reconstrução de uma plataforma mudancista e de medidas concretas imediatas do governo que sinalizem no favorecimento dos anseios populares, como por exemplo, o cumprimento integral das metas da reforma agrária e da definição de uma política de valorização crescente do salário mínimo. Os movimentos sociais através da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), numa oportuna iniciativa, lançaram a “Carta aos brasileiros”, indicando as consignas de apoio ao presidente da República, apuração das denúncias de corrupção, mudança da política econômica e reforma política democrática.


Insistimos, também, que diante da crise torna-se mais importante ainda a formação de um governo de coalizão, com propósitos mudancistas, com o objetivo imprescindível de recompor uma maioria política de apoio ao governo.


Temos opinado acerca das contradições e limites do governo Lula e, apesar dos êxitos alcançados pelo PT, percebíamos que este partido já vinha exaurindo um ciclo da sua existência. Diante do maior desafio de governar o Brasil, os seus dilemas e limites políticos e ideológicos se expuseram com mais evidência.


Quanto ao PCdoB, ele não se pretende o dono da verdade. Do nosso ponto de vista, procuramos desenvolver, segundo nossas condições, categorias e métodos assentados na doutrina social mais avançada desses dois últimos séculos — o marxismo —, tendo em vista o desenvolvimento da teoria social, revolucionária, buscando a afirmação e o êxito de uma nova luta pelo socialismo nas condições contemporâneas. Nesta gigantesca tarefa buscamos interagir com as ricas contribuições de pensadores do campo progressista e avançado. Consideramos que esse acúmulo teórico e prático é uma base para a construção de um novo projeto, alternativo à prédica dominante neoliberal. Este continua sendo o desafio maior para as forças de esquerda mais conseqüentes. Este campo político avançado ainda não conseguiu reunir fortes convicções e aglutinar largas forças políticas e sociais comprometidas e interessadas com o novo rumo.


No esforço para reversão do sentido da atual crise política nacional, o rumo que o PT venha a adotar terá papel decisivo na solução da crise a que está submetido — a maior de sua existência. A nova direção que assumiu o comando político do PT assinalou que sua tarefa primordial consiste na “reconstrução” do Partido, porque este “esgotou uma fase da sua existência”. De fato, se a nova equipe dirigente conseguir afastar essa legenda do seu rumo centrista, superar seu viés burocratizante que acabou prevalecendo, em detrimento da sua extensa ligação de massas, e imprimir ao partido um rumo de conteúdo democrático, patriótico e popular, pode se tornar num trunfo decisivo para circundar o risco da falência da experiência de governo nacional pelas novas forças. Assim será possível retomar a esperança em novos êxitos, nas lutas que firmem o caminho da mudança.