Artigo: Avançar mais, o desafio dos BRICS


Artigo: Avançar mais, o desafio dos BRICSFortaleza sediará a VI Cúpula dos BRICS, no mês de julho. Mesmo sendo um agrupamento informal, seu surgimento e trajetória registram êxitos no cenário internacional e colocam desafios para aumentar ainda mais o seu protagonismo e trazer desenvolvimento econômico e social para suas populações. Para o Brasil, em especial, é um instrumento importante de fortalecimento de nossa presença na geopolítica mundial.

Inácio Arruda, senador (PCdoB-CE)

A trajetória do Brasil na arena internacional, desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tem sido a de reafirmar a nossa soberania e traçar uma política que respalde um projeto de desenvolvimento nacional com distribuição de renda. O primeiro passo foi impedir a criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), proposta pelo então presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Bill Clinton, em 1994, que visava atrelar as economias do continente aos interesses estadunidenses, seguindo a orientação neoliberal. Abraçado com entusiasmo pelo Governo Fernando Henrique Cardoso e pelo PSDB, o projeto foi recusado por Lula, que optou por fortalecer os laços com os países latino-americanos, através do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL). A agregação regional é fundamental, não apenas na América, mas em todo o Hemisfério Sul. O Hemisfério Norte já tem uma logística industrial, comercial, cultural, científica e tecnológica bastante desenvolvida, o que ainda é um desafio para o nosso hemisfério. Outro passo importante foi livrar-se da tutela do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Os países sul-americanos podem ter no Brasil um motor para seu desenvolvimento. Podemos adotar projetos arrojados de mobilidade urbana, com uma logística de metrô; e de transporte de carga, com trens e portos. Isso alavancaria também a indústria de máquinas e equipamentos nesses setores. Através do BRICS e de outras articulações e instâncias, nosso país pode atuar para o desenvolvimento mais acelerado da América do Sul, o que é muito importante para nosso próprio projeto de desenvolvimento nacional. Isso amplia o potencial de desenvolvimento da nossa indústria, aperfeiçoa e qualifica nossos profissionais. Ao mesmo tempo, internamente, temos que resolver os problemas da burocracia e dos gargalos econômicos, que emperram, ou direcionam para os títulos públicos, os investimentos nacionais e internacionais.

Em 1993, George Kennan, no livro “Around the Cragged Hill: A Personal and Political Philosophy”, referiu-se a monster countries, países que combinam ao mesmo tempo uma extensão continental e uma grande população – os cinco países monstros eram os Estados Unidos da América (EUA), a então União Soviética, a China, a Índia e o Brasil. Em 2001, o economista Jim O’Neil, do banco de investimentos Goldman Sachs, no estudo “Building Better Global Economic BRICs”, analisou os países com economias emergentes (os “monstros” citados por Kennan, com exceção dos EUA, e a Rússia substituindo a União Soviética). Chamou a atenção para o fato de eles estarem ocupando posição cada vez mais relevante na economia mundial. O´Neil apontava que os BRIC, em decorrência, estavam ainda mais atraentes para investimentos internacionais. BRIC são os únicos países, além dos EUA, que possuem, ao mesmo tempo, área territorial acima de 2 milhões de km², mais de 100 milhões de habitantes e PIB nominal acima de US$ 1 trilhão.

O agrupamento, propriamente dito, surgiu de maneira informal, em 2006. Os chanceleres dos quatro países realizaram um almoço de trabalho, coordenado pela Rússia, quando participavam da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). No ano seguinte, novo almoço de trabalho, desta vez coordenado pelo Brasil, quando foi decidido realizar reunião específica dos chanceleres dos BRIC, o que aconteceu em 18 de maio de 2008, tornando a sigla uma entidade político-diplomática. Os presidentes Vladimir Putin, da Rússia, e Lula, buscavam, assim, destacar seus países no cenário internacional, construindo alianças pontuais para ação conjunta e unitária. Em 18 de outubro de 2005, durante uma visita de Estado do presidente Lula à Rússia, os dois países assinaram um acordo de aliança estratégica e também um acordo que tornou possível enviar o primeiro astronauta brasileiro, Marcos Pontes, ao espaço a bordo da Soyuz TMA-8. Em novembro de 2008, durante uma visita de Estado do presidente Dmitry Medvedev ao Brasil, os dois países assinaram acordos de cooperação nos setores aeroespacial, nuclear e de defesa.

Pouco antes, em 9 de julho de 2008, os Chefes de Estado e de Governo dos BRIC se reuniram pela primeira vez, durante Cúpula do G-8; em 7 de novembro ocorreu, em São Paulo, o primeiro Encontro de Ministros de Finanças. Não existe um documento constitutivo do agrupamento, nem um secretariado fixo, nem fundos para financiar suas atividades. Porém, visando manter o diálogo, identificar convergências, acertar ação conjunta em diversos temas e, ainda, ampliar os contatos e cooperação em setores específicos, os cinco países passaram a realizar reuniões anuais e ainda incorporaram a África do Sul, a partir de 2011, aos encontros (aumentando o acrônimo para BRICS, de South Africa).

Mesmo com essa informalidade – e demonstrando que as reuniões têm tido papel positivo na política externa dos países envolvidos –, a Argentina expressou o desejo de juntar-se à aliança, e conta com o apoio do Brasil, a Índia e a África do Sul nesse intento. Também México, Irã, Cazaquistão e Indonésia demonstram interesse em juntar-se aos BRICS. Para a Argentina, sua aceitação no bloco pode significar a obtenção de financiamento em condições mais favoráveis do que as oferecidas por outras organizações internacionais. Os BRICS atuam nas instituições internacionais para resistir às intenções dos EUA de promover novas normas, em especial sobre o uso da força militar. Usam as instituições multilaterais para tornar públicos seus interesses e angariar apoios. Três dos países da sigla, Rússia, China e Índia, têm poderio militar. A ascensão dos BRICS é um sinal de multipolaridade na ordem internacional.

A primeira Cúpula aconteceu em 16 de junho de 2009, sob o impacto da crise econômica iniciada no ano anterior. Desde então, graças à ação conjunta, melhorou a participação dos BRICS nas quotas do FMI e Banco Mundial. Em 2006, Brasil, China e Índia tinham 20% menos poder dentro do FMI que a Holanda, Bélgica e Itália, embora suas economias fossem quatro vezes maiores do que as europeias. China, Índia e Brasil, 2ª, 4ª e 8ª maiores economias do mundo em 2010, ocupavam a 7ª, 8ª e 13ª principais posições entre os cotistas do Banco Mundial e 9ª, 13ª e 17ª posições no FMI. Com as reformas, passarão a ocupar a 3ª, 7ª e 12ª posições no Banco Mundial, e a 3ª, 8ª e 10ª posições no FMI. A Rússia passará a ocupar a 8ª posição no Banco Mundial e a 9ª no FMI (era a 10ª, nas duas instituições).

Os pontos de consenso entre os cinco países têm sido fortalecer a segurança e a estabilidade internacionais; alcançar oportunidades iguais para seus desenvolvimentos; fomentar o multilateralismo, com a ONU desempenhando papel central; reformar a ONU e seu Conselho de Segurança, com apoio da China e Rússia ao Brasil e Índia para desempenhar maior papel na ONU; buscar soluções políticas e diplomáticas para as disputas; favorecer o desarmamento e a não proliferação; condenar o terrorismo; cooperar para o enfrentamento dos efeitos da mudança climática; cumprir as Metas de Desenvolvimento do Milênio; apoiar o combate à fome e à pobreza; e realizar reuniões, ao menos anuais, dos ministros das finanças dos BRICS para discutir temas econômicos e financeiros.

Atuam em conjunto para evitar retrocesso nos temas financeiros e monetários, para que não volte a prevalecer a ortodoxia liberal que imperava antes da crise, que foi resultado da falta de controles de capital. Graças aos BRICS, FMI e Banco Mundial estão tendo de admitir que medidas de controle de capital podem ser benéficas para combater as crises e também para preveni-las. Paulo Nogueira Batista Jr, diretor executivo do FMI (representando o Brasil, a Colômbia, a República Dominicana, o Equador, a Guiana, o Haiti, o Panamá, o Suriname e Trindade e Tobago), afirma que os cinco diretores executivos dos BRICS no FMI se reúnem com muita frequência para coordenar posições sobre temas na pauta da diretoria ou iniciativas do próprio grupo. Em matéria de cotas e da governança do FMI, atuam frequentemente coordenados, inclusive preparando declarações conjuntas para reuniões da Diretoria.

Os ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais dos BRICS se reúnem com certa periodicidade – duas ou três vezes por ano, em média. Os BRICS fazem parte dos dez maiores países do mundo em termos de PIB, área e população. Nenhum deles depende de capitais externos europeus ou norte-americanos ou da assistência financeira do FMI ou de outros organismos ainda controlados pelas potências tradicionais.

Em 2013, os líderes do grupo decidiram criar um fundo de reserva no valor de US$ 100 bilhões para proteção em caso de instabilidade do mercado. Ficou também confirmada a criação de instituições financeiras próprias, inclusive um banco de desenvolvimento. “O banco dirigido pelos BRICS mobilizará a economia interna e fornecerá financiamento conjunto a infraestruturas em regiões em desenvolvimento”, saudou o presidente sul-africano, Jacob Zuma. Trata-se de um projeto-chave para o objetivo dos BRICS de construir alternativas para as instituições dominadas pelas potências ocidentais. Essas discussões devem avançar na reunião que será realizada em Fortaleza. Essas estruturas pretendem ser uma resposta às chamadas “guerras cambiais”, que evidenciam a necessidade de realizar transações no comércio internacional com suas próprias moedas. As instituições financeiras dos BRICS buscam reforçar suas moedas.

Em conjunto, esses países contam com 45% da força de trabalho e 43% da população do planeta, 40% do total da reserva mundial e 2 bilhões de toneladas de produção agrícola. São responsáveis por, aproximadamente, 1/4 do Produto Interno Bruto (PIB) e 20% do investimento global. Contribuíram, em 2012, com 56% do crescimento do PIB mundial. Cada país mantém, igualmente, sua importância individual. Todos eles vêm desenvolvendo programas de inclusão social, como o Agroamigo (o maior programa de microfinanças rural da América do Sul), o Bolsa Família e o Programa Universidade para Todos (ProUni), no Brasil; o programa Esquema Ladli, que enfrenta o infanticídio feminino na Índia; os programas de transferência de renda para crianças, pessoas com deficiências e idosos, na África do Sul; os programas implementados pelo Gabinete para Eliminação da Pobreza do Conselho de Estado da China; e as políticas de emprego para jovens da Federação Russa.

O Brasil aumenta sua participação na economia global e se destaca no desenvolvimento sustentável. A Rússia é importante produtora de energia, além de potência militar. A Índia tem grande mercado e influência regional. A China é a economia que mais cresce no mundo. A África do Sul cresce em importância como produtora de commodities. O valor do comércio BRICS-Mundo passou de US$ 1 trilhão em 2002 para US$ 4,6 trilhões em 2010; o comércio intra-BRICS, no mesmo período, passou de US$ 27 bilhões para US$ 220 bilhões. O comércio Brasil-BRICS passou de US$ 10 bilhões em 2003 para US$ 96 bilhões em 2011. Foi superavitário para o Brasil e pode se ampliar com a crescente demanda chinesa e indiana por commodities agrícolas e minerais. Em geral, o Brasil exporta para os BRICS bens primários e semimanufaturados e importa manufaturados mais sofisticados. A África do Sul é exceção, pois exportações e importações concentram-se em produtos manufaturados.

Em praticamente todas as questões da agenda internacional, os BRICS têm algum tipo de influência: tema ambiental, Doha, armamento, finanças. Em algumas questões, suas posições são convergentes; noutras, não. A China tem posição especial, nos BRICS e no mundo. Brasil e Índia são o quarto e quinto países que mais ativamente reclamam no mecanismo de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC). A sigla oferece algumas vantagens, como ação coordenada no plano das finanças internacionais, atitudes que se reforçam no Conselho de Segurança, por exemplo, e poucas desvantagens.

A China, desde 2010 a segunda economia do mundo e maior exportadora global, é o principal parceiro comercial do Brasil (US$ 77 bilhões em 2011, com superávit de US$ 11 bilhões para o Brasil). O programa do Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres é uma parceria inédita entre Brasil e China no setor técnico-científico espacial. Com isso, o Brasil ingressou no seleto grupo de Países detentores da tecnologia de geração de dados primários de sensoriamento remoto. Graças a essa cooperação, temos uma poderosa ferramenta para monitorar nosso território com satélites próprios de sensoriamento remoto, buscando consolidar uma importante autonomia neste segmento. Nosso país é a sétima economia do mundo (“com viés para ser a quinta”, segundo o ex-presidente Lula), e está entre o 3º e o 4º país preferido pelo investimento direto estrangeiro. Índia, a nona maior economia; Rússia, a décima primeira, e a África do Sul vem fortalecendo sua democracia e economia.

O BRICS vem se consolidando como foro político-diplomático integrado por representantes de quatro continentes. Foi fortalecida a cooperação setorial em áreas como agricultura, estatística e bancos de desenvolvimento; avançou a atuação na área de ciência e tecnologia e no campo da saúde, entre outros. Há também posicionamentos para além de temas econômicos. Todos os países do grupo debateram, em 2011, no Conselho de Segurança da ONU, temas candentes, como a questão da Líbia. Na reunião de seus vice-ministros, em novembro, na Rússia, aprovaram declaração abrangente sobre temas como a situação na Síria, Líbia e Iêmen, o conflito árabe-israelense e o programa nuclear iraniano.

O Brasil tem no BRICS uma plataforma adicional, e não exclusiva, de atuação na política externa. Em 2003, foi constituído o fórum Índia, Brasil, África do Sul (IBAS), as cúpulas América do Sul-África (ASA) e América do Sul-Países Árabes (ASPA). Existe também o grupo Brasil, África do Sul, Índia e China (BASIC), para negociações sobre mudança do clima. O Brasil mantém relações diplomáticas com todos os países-membros da ONU e é membro de 73 instituições internacionais.

O desafio para o BRICS é manter-se como um bloco nas negociações com os EUA, a União Europeia e o Japão e estimular o intercâmbio múltiplo em suas sociedades, facilitando a circulação de pessoas entre os seus membros. Cogita-se a criação de vistos BRICS em passaportes de homens de negócios, professores e pesquisadores. Esses países podem se tornar, em cooperação, centros de excelência na área de defesa, microeletrônica, biotecnologia, robótica, nanotecnologia, telemedicina, envolvendo um plano de ação em ciência, tecnologia e inovação. As “grandes potências”, por seu lado, buscam impedir o surgimento de novos estados e economias líderes, através da monopolização das armas, da moeda e das finanças, da informação e da inovação tecnológica.

No mês de maio, especialistas e intelectuais dos países que formam o BRICS realizaram o Consenso do Rio (contraponto ao Consenso de Washington, de 1989, que defendeu o neoliberalismo) e indicaram como prioridade absoluta de seus governos “promover o desenvolvimento econômico como esteio do desenvolvimento social com sustentabilidade ambiental, tendo em vista o imperativo de garantir o pleno emprego e reduzir a pobreza e a desigualdade econômica, o que jamais ocorrerá numa sociedade estagnada”.

A agenda que propuseram é a que defendemos também para o Brasil, como a forte presença reguladora e indutora do governo central na economia, especialmente em setores estratégicos, e compromisso em garantir bens básicos para a população; fortalecimento dos bancos públicos de desenvolvimento e das empresas estatais estratégicas; controle de capitais; integração econômica; desenvolvimento tecnológico e sustentável, dentre outros pontos. Todos os integrantes dos BRICS também consideram a manutenção da paz uma condição essencial para a promoção do desenvolvimento e progresso social e econômico.

É com esta visão que daremos as boas-vindas em Fortaleza, nos dias 15 e 16 de julho, aos líderes governamentais do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, aos empresários e ativistas de organizações sociais e movimentos em defesa da paz, solidariedade e cooperação desses países, que integrarão as delegações – está prevista a participação de 750 pessoas, além das representações das cinco maiores empresas de cada um dos cinco países, bancos de desenvolvimento e cerca de 1.500 jornalistas de todo o mundo.

Como afirmou a presidenta Dilma Rousseff, os BRICS resistiram “à crise global, que afeta os mercados dos países desenvolvidos, com políticas que reforçam nossa capacidade e nossa estabilidade econômica. Nós nos distinguimos também porque temos aplicado um modelo de desenvolvimento com inclusão social. Em todos os BRICS ocorreu uma sensível redução das pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza”. É neste caminho que desejamos avançar, e avançar mais.

 

Artigo publicado na Revista Princípios